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PESQUISE DIREITO - Rodada 7

PESQUISE DIREITO 07

ÁREAS DE INTERESSE: DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO PROCESSO CIVIL. DIREITO ADMINISTRATIVO. DIREITO PENAL. 

Passo 1: Confira o enunciado!

O Chefe do Poder Executivo federal editou decreto incluindo uma área de vegetação nativa como sendo Unidade de Conservação. O imóvel de Maria está localizado dentro desta área. Acerca do caso, responda:

a) É possível instituir UC por via de decreto? Qual o instrumento normativo indispensável para sua extinção?

b) Qual a natureza jurídica da intervenção do Estado na propriedade de Maria?

c) Caberia ação de desapropriação indireta? Se não, apresente o fundamento; se não, diga qual o prazo prescricional.

Passo 2: Confira o espelho elaborado pelo professor Jean e assista o vídeo comentado no IGTV do Themas.

a) É possível instituir UC por via de decreto? Qual o instrumento normativo indispensável para sua extinção?

Sim. É perfeitamente possível criar unidades de conservação, espaços legalmente protegidos, por meio de decreto. 

Unidades de conservação são espécies de áreas legalmente protegidas. O art. 2º Lei de nº 9.985, de 18 de julho de 2000, define as unidades de conservação como “espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção”.

No caso que inspirou o presente PESQUISE DIREITO, havia sido instituída uma outra espécie, a área de proteção permanente – APP, assim definida pelo Código Florestal:

II - Área de Preservação Permanente - APP: área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas; 

Assim, tanto é possível a sua criação por meio de lei quanto por via de decreto. Já a sua extinção, porém, depende da existência de lei formal, conforme previsão expressa do art. 225 da CF e de reiterada jurisprudência de nossos Tribunais Superiores. Veja a redação:

Art. 225. (...)

§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

(...)

III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;

Não é sem razão esse entendimento. A perspectiva é a da maior proteção que deve ser dada ao meio ambiente e à máxima efetividade da norma constitucional que lhe atribui o “status” de direito fundamental difuso. Assim, se a atuação estatal estiver no sentido de conferir maior proteção ao meio ambiente, seja instituindo uma nova área protegida seja ampliando sua extensão, o rigor formal é abrandado, e quaisquer espécies legislativas podem ser utilizadas, inclusive atos administrativos normativos, a exemplo do decreto.

Em se tratando, porém, de condutas que possam de alguma comprometer a proteção ao meio ambiente, impõe-se a utilização de lei formal. Nem mesmo medida provisória, espécie legislativa com força de lei, pode ser utilizada para suprimir ou reduzir espaço territorial legalmente protegido.  A esse respeito, confira a recente jurisprudência do STF:

É inconstitucional a redução ou a supressão de espaços territoriais especialmente protegidos, como é o caso das unidades de conservação, por meio de medida provisória. Isso viola o art. 225, § 1º, III, da CF/88. Assim, a redução ou supressão de unidade de conservação somente é permitida mediante lei em sentido formal. A medida provisória possui força de lei, mas o art. 225, § 1º, III, da CF/88 exige lei em sentido estrito. STF. Plenário. ADI 4717/DF, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 5/4/2018 (Inf. 896).

b) Qual a natureza jurídica da intervenção do Estado na propriedade de Maria?

Trata-se de limitação administrativa. As diversas formas de intervenção do Estado na propriedade privada estão classificadas na doutrina administrativista em intervenções restritivas e intervenções supressivas. Enquanto as supressivas subtraem do particular qualquer direito sobre o bem, como o que se verifica com a desapropriação; as restritivas alcançam ou impactam apenas alguns poderes do proprietário sobre a coisa objeto da propriedade. É o caso da limitação administrativa, resultante de norma geral, sem destinatário certo, que impacta o poder do titular sobre o bem (art. 1.128 do CC). Ela não afasta a propriedade, apenas reduz o campo de liberdade de uso do bem de modo a conformá-lo ao cumprimento de sua função social.

Em regra, são atos com caráter de definitividade e que não resultam em direito à indenização. Para Marçal Justen Filho (Curso de direito administrativo, RT, 2013, p. 617):

Limitação administrativa à propriedade consiste numa alteração do regime jurídico privatístico da propriedade, produzida por ato administrativo unilateral de cunho geral, impondo restrição das faculdades de usar e fruir de bem imóvel, aplicável a todos os bens de uma mesma espécie, que usualmente não gera direito de indenização ao particular. 

c) Caberia ação de desapropriação indireta? Se não, apresente o fundamento; se não, diga qual o prazo prescricional. 

A desapropriação indireta somente se verifica quando o Estado (sentido amplo) suprime, por completo, o direito de propriedade do titular sobre a coisa, seja em uma de suas partes seja em sua totalidade, sem que adote o regular, necessário e prévio processo administrativo de desapropriação. 

Bem vistas as coisas, a desapropriação indireta resulta de um ato de esbulho praticado pelo Estado (sentido amplo). A ação judicial que lhe é correspondente possui natureza de ressarcimento pela perda do patrimônio pelo titular. É o que estabelece o art. 35 do Dec. 3.365/1941:

Art. 35.  Os bens expropriados, uma vez incorporados à Fazenda Pública, não podem ser objeto de reivindicação, ainda que fundada em nulidade do processo de desapropriação. Qualquer ação, julgada procedente, resolver-se-á em perdas e danos.

No caso de Maria, a intervenção, embora presente, não significou a supressão do direito de propriedade, não ocorreu efetivo desapossamento administrativo, o que inviabiliza o reconhecimento da desapropriação indireta.  

Essa constatação leva ao entendimento há muito consolidado no STJ de que a ação de desapropriação indireta, em razão do seu caráter real, seria imprestável para viabilizar pretensão reparatória decorrente dos impactos da limitação administrativa no campo de disposição do titular sobre a coisa.

Em fins de 2019, porém, ocorreu uma alteração substancial nesse entendimento. Para o STJ, embora não seja esse o tipo adequado de ação, é possível através da ação de desapropriação indireta viabilizar a pretensão indenizatória decorrente de limitação administrativa, em homenagem aos princípios da instrumentalidade das formas e da primazia da solução integral do mérito, conforme se verifica do julgado abaixo:

Em ação de desapropriação indireta é cabível reparação decorrente de limitações administrativas.STJ. 1ª Turma. REsp 1.653.169-RJ, Rel. Min. Regina Helena Costa, julgado em 19/11/2019 (Info 662). Esta Corte Superior possui julgados no sentido de que a ação de desapropriação indireta, ante seu caráter real, não seria adequada para a postulação de reparação decorrente de limitações administrativas, pretensão de natureza pessoal. No entanto, a pretensão à reparação encerrada na ação de desapropriação indireta resulta do esgotamento econômico da propriedade privada, cuja origem é, indubitavelmente, o agravo, pelo Poder Público, aos poderes decorrentes do direito real de propriedade dos particulares, que, nos termos do art. 1.228, caput, do Código Civil, compreendem "a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha". Depreende-se, assim, que, nessa ação, busca-se a satisfação de direito pessoal, cuja gênese está em ato estatal praticado face a direito real de titularidade do particular. Ademais, devem ser observados os princípios da instrumentalidade das formas e da primazia da solução integral do mérito para reconhecer o interesse-adequação da ação para o requerimento de indenização. (Informativo 662)

E qual o prazo prescricional da ação de desapropriação indireta?

O STJ possui o entendimento de que devem ser aplicados à pretensão de reparação cível decorrente da desapropriação indireta o prazo relativo à prescrição aquisitiva pela usucapião extraordinária, ou seja, 15 anos. Há aqui, porém, um detalhe que exige cuidado. Se no imóvel o Estado (sentido amplo) houver realizado benfeitorias de interesse público, deve ser aplicado o prazo da usucapião ordinária, ou seja, 10 anos. Veja o julgado:

REsp1.757.352-SC,  Rel.  Min.  Herman  Benjamin,  Primeira  Seção,  por maioria, julgado em 12/02/2020, DJe 07/05/2020 (Tema 1019)RAMO DO DIREITODIREITO ADMINISTRATIVOTEMADesapropriação indireta. Declaração de utilidade pública. Realização de obras e  serviços de  caráter  produtivo.  Prescrição.  Aplicação  do  prazo  de  10  anos previsto no parágrafo único do art. 1.238 do CC/2002. Tema 1019. Ante a ausência de normas expressas que regulassem o prazo prescricional das ações de desapropriação indireta, o Superior Tribunal de Justiça, à luz do disposto no art. 550 do Código Civil de 1916, firmou o entendimento de que a ação de indenização por apossamento administrativo, por possuir natureza real e não pessoal, sujeitava-se ao prazo prescricional de 20 anos, e não àquele previsto no Decreto-Lei 20.910/1932 (Súmula 119 do STJ: "A ação de desapropriação indireta prescreve em 20 anos").Partiu-se da premissa de que a ação expropriatória indireta possui natureza real e, enquanto não transcorrido o prazo para aquisição da propriedade por usucapião, subsistiria a pretensão de reivindicar o correspondente preço do bem objeto do apossamento administrativo.As razões para a fixação do prazo prescricional no tocante à ação de desapropriação indireta permanecem válidas. O Código Civil de 2002, contudo, reduziu o prazo da usucapião extraordinária para 15 anos (art. 1.238, caput) e previu a possibilidade de aplicação do prazo de 10 anos (art. 1.238, parágrafo único) nos casos em que o possuidor tenha estabelecido no imóvel sua moradia habitual, ou realizado obras ou serviços de caráter produtivo.Considerando que as hipóteses legais de desapropriação por utilidade pública indicam que a posse havida pela Administração Pública tem por fim a realização de obras ou serviços de caráter produtivo, é aplicável o prazo prescricional decenal, previsto na regra especial do parágrafo único do art. 1.238 do CC/2002.A prescrição decenal é questionada em alguns julgados da Primeira Turma, sob oargumento de que, por se tratar de uma regra extraordinária, deve ser interpretada de forma restrita, aplicando-se, portanto, apenas em favor de particulares.A solução da controvérsia deve ser encontrada na técnica hermenêutica.Veja-se que tanto o caput quanto o parágrafo único não são voltados à Administração Pública, porquanto presentes no Código Civil e, dessarte, regulam ambos as relações entre particulares, tão somente. Em qualquer uma das hipóteses, vale-se o intérprete da analogia.Com efeito, o mesmo fundamento que afastaria a aplicação do parágrafo único (ou seja, de que a regra é exclusiva para particulares) serviria para afastar o regramento da usucapião extraordinária, prevista no caput. Logo, nessa linha de raciocínio, também não poderia ser aplicado o prazo de 15 anos à Administração Pública. Hipótese descartada, como já visto, considerando que o STJ já decidiu pela aplicação do CC à presente questão. (Informativo 671).

Uma questão não resolvida pelo STJ no julgado acima é a concernente à aplicação desses prazos prescricionais da ação da desapropriação indireta quando a pretensão consistir em indenização resultante de limitação administrativa imposta pelo Poder Público. A pretensão puramente reparatória, por exemplo, tem sido submetida pela jurisprudência ao prazo de cinco anos (art. 1º do Dec. 20.910/1932). Essa, portanto, é uma questão ainda em aberto, ótima para um PESQUISE DIREITO. 

Sobre o Autor

Jean Nunes

Defensor Público estadual (aprovado em 1º lugar), mestre em Políticas Públicas pela Universidade Federal do Maranhão (aprovado em 1º lugar), Professor Assistente da Universidade Estadual do Maranhão (aprovado em 1º lugar).