Mandado de Segurança contra proposição legislativa em trâmite no Congresso Nacional: espécie de controle difuso ou concentrado de constitucionalidade? - Cursos preparatórios para concursos | Themas Cursos ®

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Mandado de Segurança contra proposição legislativa em trâmite no Congresso Nacional: espécie de controle difuso ou concentrado de constitucionalidade?

Imagine a seguinte situação hipotética: Zé do Povão, Presidente da República, propõe emenda constitucional para instituir Estado Unitário, com poder centralizado ao ente federal, por entender que o Brasil é um país de cultura e realidade social homogêneas. João dos Milagres, deputado federal, discorda do chefe do Executivo e pretende levar a questão ao STF.

Como João dos Milagres poderia fazê-lo? 

Não é difícil encontrar a resposta em livros de doutrina, julgados do STF ou, mesmo, na internet. João dos Milagres poderia ajuizar Mandado de Segurança preventivo, afirmando ter direito público subjetivo de não se submeter a processo legislativo inconstitucional tendente a abolir cláusula pétrea. A outra hipótese de cabimento do mandamus destina-se a desafiar proposta de emenda constitucional ou projeto de lei cuja tramitação esteja ocorrendo com violação às regras constitucionais sobre o processo legislativo.

Hipóteses de MS ajuizado por parlamentar contra proposição legislativa

Proposta de emenda constitucional violadora de cláusula pétrea.

Proposta de emenda constitucional ou projeto de lei cuja tramitação esteja ocorrendo com violação às regras constitucionais sobre o processo legislativo.

Até aqui tudo bem. Mas você saberia classificar essa espécie de controle de constitucionalidade? Cuida-se de controle difuso ou concentrado?

Antes de tudo, é preciso esclarecer que “classificar” é uma tarefa científica estritamente doutrinária. É dizer: os autores elegem critérios com pretensão de universalidade e apartam categorias distintas a partir de tais parâmetros.

O registro é importante para alertá-los sobre a possibilidade de desencontros entre os doutrinadores, causados exatamente pela adoção de critérios diversos. Mais precisamente na ciência jurídica, podemos citar a diferente classificação dos elementos do ato administrativo (Celso Antônio Bandeira de Mello X resto da doutrina), da eficácia das normas constitucionais (José Afonso da Silva X Maria Helena Diniz), das constituições (Loewestein X Alexandre de Moraes) e etc.

Existe uma classificação melhor que outra?

Não. Cabe a nós, estudantes, conhecer cada uma e, principalmente, entender qual classificação é encarada pelas bancas de concurso como majoritária.

Mas, então, como se classifica o controle exercido pelo STF em MS ajuizado por parlamentar contra proposição legislativa?

Depende do critério adotado. Como anunciado, eis aqui mais um ponto de dissonância doutrinária.

Com efeito, autores com perfil mais “concurseiro”, como Pedro Lenza e Marcelo Alexandrino/Vicente Paulo, utilizam o critério orgânico ou de competência originária do STF. Para eles, basta que o STF seja o único órgão competente para apreciar a alegação de inconstitucionalidade para que o controle seja classificado como concentrado. Dessa forma, todo o rol do art. 102, I, da CF/88, dentre o qual se insere o mandado de segurança contra atos do Presidente da República, das Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, trataria de hipóteses de controle concentrado de constitucionalidade.

“Como exemplo de controle concentrado e incidental, então, citamos o art. 102, I, “d”, que estabelece ser competência originária do STF processar e julgar o habeas corpus, sendo paciente qualquer das pessoas referidas nas alíneas anteriores; o mandado de segurança e o habeas data contra atos do Presidente da República, das Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, do Tribunal de Contas da União, do Procurador-Geral da República e do próprio Supremo Tribunal Federal” (LENZA, Direito Constitucional Esquematizado, 2015, p. 316)

Por outro lado, autores de cariz mais acadêmico adotam critério mais sofisticado, avançando o entendimento de que a simples competência processual originária do STF não basta à categorização da espécie de controle. Alexandre de Moraes, por exemplo, acentua que o controle concentrado de constitucionalidade somente pode se operar sobre lei ou ato normativo aperfeiçoados, jamais sobre projeto de lei ou de emenda constitucional:

“Importante, porém, analisar-se a possibilidade do controle jurisdicional incidir sobre o processo legislativo em trâmite, uma vez que ainda não existiria lei ou ato normativo passível de controle concentrado de constitucionalidade. Assim sendo, o controle jurisdicional sobre (...) propostas de emendas constitucionais sempre se dará de forma difusa, por meio do ajuizamento de mandado de segurança, por parte de parlamentares que se sentirem prejudicados durante o processo legislativo. Reitere-se que os únicos legitimados à propositura de mandado de segurança, para defesa do direito líquido e certo de somente participarem de um processo legislativo conforme as normas constitucionais e legais, são os próprios parlamentares” (DE MORAES, Direito Constitucional, 1999, p. 549).

A seu turno, Gilmar Mendes, ao tratar sobre “os meios de acesso à jurisdição constitucional DIFUSA do Supremo Tribunal Federal”, elenca a hipótese do mandado de segurança preventivo de parlamentar contra proposição legislativa inconstitucional. Aliás, para o autor, todas as hipóteses do art. 102, I, da CF, à exceção da competência para processamento de ações diretas, seriam casos de controle de constitucionalidade difuso (2014, p. 1.100).

Marcelo Novelino confirma a posição destes últimos autores:

“Trata-se de um controle difuso-concreto, cujo objetivo principal é a proteção do direito subjetivo do parlamentar ao devido processo legislativo constitucional”.

O STF possui alguns julgados no último sentido:

“O processo de formação das leis ou de elaboração de emendas à Constituição revela-se suscetível de controle incidental ou difuso pelo Poder Judiciário, sempre que, havendo possibilidade de lesão à ordem jurídico-constitucional, a impugnação vier a ser suscitada por membro do próprio Congresso Nacional, pois, nesse domínio, somente ao parlamentar - que dispõe do direito público subjetivo à correta observância das cláusulas que compõem o devido processo legislativo - assiste legitimidade ativa ad causam para provocar a fiscalização jurisdicional” (MS 2365-DF, Rel. Celso de Mello).

“Ainda que em caráter excepcional, cabe reconhecer que o processo de formação das leis ou de elaboração de emendas à Constituição revela-se suscetível de controle incidental ou difuso pelo Poder Judiciário, sempre que, havendo possibilidade de lesão à ordem jurídico-constitucional, a judicial review vier a ser suscitada por membro do próprio Congresso Nacional, pois, nesse domínio, somente ao parlamentar assiste legitimidade ativa ad causam para provocar essa fiscalização” (MS 23.334-RJ, Rel. Min. Celso de Mello).

Portanto, na linha dos autores citados e do STF, o controle concentrado, para além da simples constatação de competência originária da Suprema Corte, caracteriza-se por ser de índole OBJETIVA, não abrangendo, por isso, o objeto do MS sob comento, pois, neste, tutela-se direito subjetivo do parlamentar, sendo seu, enquanto investido de tal múnus, o interesse de se submeter às regras escorreitas do processo legislativo. Tal afirmação reverbera, inclusive, na perda de objeto do mandamus e, portanto, na própria extinção do controle, caso o parlamentar perca o seu mandato.

E o que as bancas pensam sobre isso tudo?

Infelizmente não foram encontradas questões da FCC e CESPE que enfrentem a discussão de forma clara. Porém, a ESAF possui entendimento no sentido da segunda posição apresentada, apontando como INCORRETA a seguinte assertiva:

“Admite-se o controle concentrado de constitucionalidade sobre o processo de elaboração de leis e emendas à constituição, sendo que apenas os parlamentares são legitimados à propositura de ação perante o supremo tribunal federal”

Como devo me posicionar nos próximos concursos?

Em provas objetivas, a resposta é bastante tormentosa, especialmente se a banca examinadora for FCC ou CESPE, pois ainda não se conhecem as respectivas posições. Talvez, até mesmo por conta da divergência, tais bancas ainda não tenham cobrado o tema. De todo modo, se você se deparar com uma questão do gênero, recomenda-se assinalar que a análise de mandado de segurança ajuizado por parlamentar contra proposição legislativa é espécie de controle de constitucionalidade DIFUSO e CONCRETO, pois assim se posiciona a doutrina majoritária. Se a resposta for em sentido contrário, você terá munição para estribar eventual recurso, o que não será possível se assinalar a posição minoritária.

Em provas discursivas, a divergência não será problema: basta enfrentar o tema à luz das duas correntes, posicionando-se de forma majoritária.

E o Recurso Extraordinário em ADI estadual se classifica como? É espécie de controle difuso ou concentrado?

Tema para os próximos posts. Por enquanto é só.

Abraços,

Caio.

Sobre o Autor

Caio Vinícius Sousa e Souza

Procurador do Estado do Piauí (8º lugar), aprovado na PGE/BA. Mestre em Direito Constitucional (UFPI). Coordenador e coautor do livro "Curso de Peças e Pareceres - Advocacia Pública - Teoria e Prática" pela Editora JusPodivm. Coordenador e coautor da Coleção Doutrinas Essenciais - Procuradorias. Coautor de várias obras jurídicas especializadas.