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O Governo Federal extinguiu a Reserva Nacional do Cobre por Decreto. A extinção é possível do ponto de vista legal e constitucional?

Através do Decreto 9.142, de 22 de agosto de 2017, o presidente Michel Temer extinguiu a RENCA (Reserva Nacional do Cobre)[1]. Após diversas críticas apresentadas pela cobertura da imprensa, o Governo editou o Decreto 9.147/2017[2], mantendo a extinção da Reserva Nacional do Cobre, trazendo, porém, novos contornos explicativos e normatizadores da exploração mineral na área.

Como se sabe, a criação de espaços territoriais especialmente protegidos pelo Poder Público federal, estadual e municipal é um dos instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente elencados no art. 9° da Lei n.° 6.938/1981.

Os três principais espaços territoriais especialmente protegidos são:

  • i) Área de Preservação Permanente;
  • ii) Reserva Legal; e
  • iii) Unidade de Conservação da Natureza.

 

Os dois primeiros previstos no Código Florestal (Lei n.° 12.651/2012), e o terceiro na Lei n.° 9.985/2000. Tratando do tema, a Constituição Federal, no art. 225, § 1°, III, assim dispõe:

“Art. 225. (…).

1º – Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

(…);

III – definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;”

 

Note que, do texto constitucional, a delimitação (ou a criação) dos espaços territoriais especialmente protegidos pode ser feita por lei ou por decreto. Já a alteração e a supressão de seu regime jurídico estão sujeitas ao princípio da reserva da lei.

Na mesma linha, a Lei n.° 9.985/2000, que regulamenta a matéria no âmbito do Sistema Nacional de Unidade de Conservação, nos §§ 5° e 6° do art. 22, dispõe:

“Art. 22. As unidades de conservação são criadas por ato do Poder Público.

(…).

5o  As unidades de conservação do grupo de Uso Sustentável podem ser transformadas total ou parcialmente em unidades do grupo de Proteção Integral, por instrumento normativo do mesmo nível hierárquico do que criou a unidade, desde que obedecidos os procedimentos de consulta estabelecidos no § 2odeste artigo.

6A ampliação dos limites de uma unidade de conservação, sem modificação dos seus limites originais, exceto pelo acréscimo proposto, pode ser feita por instrumento normativo do mesmo nível hierárquico do que criou a unidade, desde que obedecidos os procedimentos de consulta estabelecidos no § 2odeste artigo.

7o  A desafetação ou redução dos limites de uma unidade de conservação só pode ser feita mediante lei específica.”

 

Portanto, tanto a Constituição, quanto a legislação em comento, tratam da possibilidade de alteração do regime jurídico de um dos espaços territoriais especialmente protegidos por outros instrumentos normativos que não a lei em sentido estrito, desde que seja para ampliação da proteção ambiental.

Confira a jurisprudência do STF sobre o tema:

Os atos administrativos gozam da presunção de merecimento. (...) A criação de reserva ambiental faz-se mediante ato administrativo, surgindo a lei como exigência formal para a alteração ou a supressão – art. 225, III, do Diploma Maior. (...) Consulta pública e estudos técnicos. O disposto no § 2º do art. 22 da Lei 9.985/2000 objetivas identificar a localização, a dimensão e os limites da área da reserva ambiental. (...) A implementação do conselho deliberativo gestor de reserva extrativista ocorre após a edição do decreto versando-a.

[MS 25.284, rel. min. Marco Aurélio, j. 17-6-2010, P, DJE de 13-8-2010.]

ADI 4.218 AgR, rel. min. Luiz Fux, j. 13-12-2012, P, DJE de 19-2-2013

 

Desse modo, resta analisar a constitucionalidade e legalidade do aludido Decreto 9.142, de 22 de agosto de 2017 que extinguiu a RENCA (Reserva Nacional do Cobre).

A Câmara dos Deputados em 2009 já buscava justificativas para a extinção da RENCA, confira[3]:

Em 1984, o Governo Militar da época, de forma ditatorial e imaginando garantir ao Estado Brasileiro, uma grande reserva nacional de cobre, resolveu decretar uma área de quase dois milhões de hectares, entre os Estados do Pará e Amapá, para que a Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais CPRM pesquisasse exclusivamente os potenciais minerais da gigante área. Além de ignorar e não reconhecer a importância das sociedades tradicionais de garimpeiros e faiscadores que viviam no Vale do Jarí, pois ao decretar a criação da RENCA (Reserva Nacional do Cobre) criminalizou todas aquelas comunidades de mineradores artesanais que já trabalham naquela região desde início do Século XX. Os Garimpeiros continuaram sua jornada de trabalho e de brasilidade ocupando e garimpando aquelas terras, mesmo na imposta legalidade e, hoje, representam mais de 20% da economia do Vale do Jari, que abriga uma população de mais de 100.000 habitantes inscritos nos municípios de Laranjal do Jari e Vitória do Jari no Amapá e de Altamira no Estado do Pará.

 

Justificando a extinção, e por consequência sua legalidade e constitucionalidade[4] do Decreto, o governo asseverou que; a) o que deixou de existir foi uma antiga reserva mineral – e não ambiental e que b) a extinção da Reserva Nacional do Cobre e Associados (Renca) não afeta as Unidades de Conservação Federais existentes na área – todas de proteção integral, onde não é permitido a mineração. Assim dispõe o art. 8º do aludido Decreto 9.147/2017:

Art. 8º  Nas áreas da extinta Renca onde haja sobreposição parcial com unidades de conservação da natureza federais e estaduais ou com terras indígenas demarcadas, ficam mantidos os requisitos e as restrições previstos na legislação relativa à exploração mineral em unidades de conservação da natureza, terras indígenas e faixas de fronteira

 

Com efeito, Reserva Mineral não se confunde com os espaços territoriais especialmente protegidos pelo Poder Público federal, estadual e municipal, ou seja. Ressalte-se que Reserva Ambiental não é instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente, logo não se submete às exigências constitucionais listadas anteriormente. Portanto, Reserva Mineral pode ser delimitada e extinta por meio de Decreto, nos termos do o art. 84, caput, inciso IV, da Constituição Federal.

Em que pese não existir definição legal do que seja a Reserva Nacional, o instituto foi mencionado pelo art. 54 do Decreto-Lei 227/67 (Código Minerário), confira:

Art. 54. Em zona que tenha sido declarada Reserva Nacional de determinada substância mineral, o Governo poderá autorizar a pesquisa ou lavra de outra substância mineral, sempre que os trabalhos relativos à autorização solicitada forem compatíveis e independentes dos referentes à substância da Reserva e mediante condições especiais, de conformidade com os interesses da União e da economia nacional.

 

Outros dispositivos da legislação minerária também indicam a possibilidade de regulamentação da área explorada por ato normativo infra legal, assim dispõe o Decreto-Lei 227/67 (Código Minerário):

Art. 76. Atendendo aos interesses do setor minerário, poderão, a qualquer tempo, ser delimitadas determinadas áreas nas quais o aproveitamento de substâncias minerais farse-á exclusivamente por trabalhos de garimpagem, faiscação ou cata, consoante for estabelecido em Portaria do Ministro das Minas e Energia, mediante proposta do Diretor-Geral do Departamento Nacional da Produção Mineral.          

 

Confira também o que dispõe a Lei 7.805/89, que trata do Regime de permissão de lavra garimpeira:

Art. 14. Fica assegurada às cooperativas de garimpeiros prioridade para obtenção de autorização ou concessão para pesquisa e lavra nas áreas onde estejam atuando, desde que a ocupação tenha ocorrido nos seguintes casos:

§ 2º O Departamento Nacional de Produção Mineral - DNPM promoverá a delimitação da área e proporá sua regulamentação na forma desta Lei.

 

Ressalte-se que o Decreto 9.147/2017, buscando coibir a exploração ilegal dos recursos minerais da região, previu expressamente no art. 6º a proibição de concessão de títulos de direito minerário para pessoas que comprovadamente tenham participado de exploração ilegal na área da extinta Renca e proibiu a concessão de título de direito minerário a pessoas jurídicas que estejam impedidas de contratar com a administração pública e de que tenham participado de exploração ilegal na área da extinta Renca.

Portanto, em que pese a discussão política sobre a sua pertinência, existe amparo legal e constitucional para a supressão da Reserva Mineral por meio deDecreto.

 


[1] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/decreto/D9142.htm

[2] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/decreto/D9147.htm

[3] http://www.camara.gov.br/sileg/integras/646530.pdf

[4] https://www.poder360.com.br/wp-content/uploads/2017/08/nota-secom-planalto-decreto-renca-mineracao-24ago2017.pdf

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Sobre o Autor

Wendel Nobre Piton Barreto

Procurador do Estado do Pará (8º lugar) e aprovado no TJ/BA – Notário. Coautor do livro "Curso de Peças e Pareceres - Advocacia Pública - Teoria e Prática" pela Editora JusPodivm.