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Quiz 21

Disserte sobre a Teoria Ultra Vires, abordando necessariamente:


a) o conceito da Teoria Ultra Vires;

b) as hipótese de cabimento da referida teoria;

c) a correlação entre a Teoria Ultra Vires e a Teoria da Aparência.

 

Comentários:

 

Nos termos do art. 1022 do CC/02, “a sociedade adquire direitos, assume obrigações e procede judicialmente, por meio de administradores com poderes especiais, ou, não os havendo, por intermédio de qualquer administrador”. Destarte, a figura do administrador é indispensável para o funcionamento da pessoa jurídica, já que ele torna “presente a vontade da sociedade empresária”. Por isso, a doutrina contemporânea defende que, tecnicamente, é mais correto denominá-lo de “presentante” da pessoa jurídica e não de representante.

Nesse contexto, é extremamente relevante entender como a doutrina e o direito positivo abordam a responsabilidade da sociedade pelos atos praticados com excesso de poder pelo administrador.

Em regra, a pessoa jurídica responde por todos os atos praticados pelo seu administrador, ainda que este extrapole os limites dos poderes que lhes foram conferidos. É essa a interpretação a contrário sensu do p.ú. do art. 1015 do CC/02:

 

Art. 1.015: No silêncio do contrato, os administradores podem praticar todos os atos pertinentes à gestão da sociedade; não constituindo objeto social, a oneração ou a venda de bens imóveis depende do que a maioria dos sócios decidir.

Parágrafo único. O excesso por parte dos administradores somente pode ser oposto a terceiros se ocorrer pelo menos uma das seguintes hipóteses:
I - se a limitação de poderes estiver inscrita ou averbada no registro próprio da sociedade;
II - provando-se que era conhecida do terceiro;
III - tratando-se de operação evidentemente estranha aos negócios da sociedade.

 

Com isso, procura-se assegurar a proteção de terceiros que, de boa-fé, celebram contratos com a sociedade, conferindo segurança jurídica para as relações empresariais.

Por outro lado, em casos excepcionais, a sociedade não será responsabilizada pelos atos praticados com excesso de poder pelo
administrador. Nas situações taxativamente listadas no p.ú. do art. 1015 do CC/02, é possível que a sociedade alegue o excesso de poder na atuação do administrador em face de terceiros, de modo que a estes restará somente a possibilidade de demandar a responsabilização direta do administrador.

O inciso I do referido dispositivo prevê que a sociedade não responderá pelos atos praticados com excesso de poderes por seus administradores “se a limitação de poderes estiver inscrita ou averbada no registro próprio da sociedade”. O registro no órgão competente assegura a publicização da limitação de poder do administrador, de modo que o terceiro contratante não pode alegar desconhecimento. Nesse caso, presume-se que o terceiro tinha conhecimento da limitação de poderes e qualquer atuação excessiva do administrador não resultará em obrigações em face da pessoa jurídica.

O inciso II, a seu turno, prevê que a sociedade não responderá pelos atos praticados com excesso de poderes por seus administradores se conseguir efetivamente demonstrar que o terceiro tinha conhecimento da limitação de poderes. Observe que, nesse caso, não há registro e, por isso, não se presume que o terceiro sabia dos limites impostos ao administrador. Se a pessoa jurídica não conseguir, de fato, provar esse conhecimento, responderá pelos atos praticados pelo administrador.

Já o inciso III afasta a responsabilidade da sociedade da sociedade empresária pelos atos praticados pelo administrador quando este assume uma obrigação evidentemente estranha ao objeto social. Para a doutrina, com esse inciso, o direito brasileiro positivou a Teoria dos Atos Ultra Vires. Porém, vale destacar que o fez a título de exceção e não como regra geral.

Vale destacar que a Teoria dos Atos Ultra Vires tem origem britânica, no século XIX, tendo nascido com o intuito de “evitar desvios de finalidade na administração de sociedades por ações, e preservar os interesses de investidores.” 1 Nesse momento inicial, defendia-se que qualquer ato praticado em nome da pessoa jurídica que extrapolasse o objeto social seria considerado nulo.

Porém, essa concepção mais rígida, percebida na formulação inicial da teoria ultra vires, trouxe muitos problemas para as sociedades inglesas, uma vez que criava um cenário de desconfiança e de receio nas negociações comerciais. Com receio de os atos serem considerados nulos, as pessoas só contratavam com as sociedades se o negócio celebrado estivesse expressamente contido no objeto social registrado.

Com isso, ao longo do século XX, o rigor da teoria foi flexibilizado: o ato que excedesse o objeto social deixou de ser considerado nulo e passou a ser encarado como inimputável à pessoa jurídica. Assim, o terceiro podia demandar o cumprimento das obrigações, porém, apenas em face do administrador que o praticou.

A flexibilização da teoria manifestou-se também através da valorização da boa-fé do contratante, reconhecendo-lhe o direito de exigir da própria sociedade o cumprimento da obrigação firmada com excesso de poder, se fosse escusável o desconhecimento da cláusula delimitadora do objeto social.

No direito brasileiro, antes da entrada em vigor do Código Civil de 2002, a Teoria dos Atos Ultra Vires não era acolhida.

Porém, com o promulgação do novo Código Civil, ficou evidenciada, na redação do inciso III do p.ú do art. 1015, a inspiração na Teoria dos Atos Ultra Vires. Conforme já explanado, esse dispositivo prevê que a prática de operação evidentemente estranha aos negócios da sociedade pode ser oposta ao credor como excesso de poderes do administrador.

Quanto ao tema, vale destacar o Enunciado 219 da Jornada de Direito Civil do CJF, segundo o qual o direito brasileiro adotou excepcionalmente a teoria ultra vires, porém, com algumas ressalvas:

 

“Está positivada a teoria ultra vires no Direito brasileiro, com as seguintes ressalvas:
(a) o ato ultra vires não produz efeito apenas em relação à sociedade;
(b) sem embargo, a sociedade poderá, por meio de seu órgão deliberativo, ratificá-lo;
(c) o Código Civil amenizou o rigor da teoria ultra vires, admitindo os poderes implícitos dos administradores para realizar negócios
acessórios ou conexos ao objeto social, os quais não constituem operações evidentemente estranhas aos negócios da sociedade; (d)não se aplica o art. 1.015 às sociedades por ações, em virtude da existência de regra especial de responsabilidade dos administradores (art. 158, II, Lei n. 6.404/76).”

 

O enunciado nos apresenta dois pontos interessantes. Primeiro, a teoria ultra vires pode ser afastada quando a sociedade ratificar o ato praticado com excesso de poderes e, nesse caso, responderá por ele. Segundo, são reconhecidos poderes implícitos para que os administradores realizem atos conexos ao objeto social, desde que não representem operações evidentemente estranhas aos negócios sociais.

Conforme explanado, a Teoria dos Atos Ultra Vires é aplicada de forma excepcional. Na verdade, a doutrina lhe tece várias críticas, especialmente, por ser difícil, na prática, definir o que está ou não inserido no objeto social. Para ilustrar essa dificuldade, segue exemplo dado por Marlon Tomazette:

 

“ Imagine-se a compra de um imóvel por uma fábrica de veículos, o ato não está dentro do objeto social, mas pode ser extremamente útil à própria sociedade. Com a mesma dificuldade nos deparamos ao analisar uma padaria que compra tijolos. A compra pode se destinar à construção de um forno ou a uma reforma urgente, que interessam à sociedade, apesar de não estarem previstas explicitamente dentro do objeto social.”

 

Por fim, insta salientar que a Teoria da Aparência se contrapõe à teoria dos Atos Ultra Vires. Seu objetivo precípuo é proteger terceiros de boa-fé, transferindo a responsabilidade pelos atos praticados em excesso de poder para a sociedade. Para tanto, é preciso o preenchimento dos seguintes requisitos:

i) o negócio tem que ter sido praticado com aparência de legitimidade, ou seja, trata-se de um negócio correlato com o objeto social, de modo que não se apresenta como uma atividade evidentemente estranha ao fim social;

ii) o terceiro precisa estar de boa-fé, ou seja, não deve ter conhecimento da limitação de poderes atribuída ao administrador;

iii) o negócio praticado com excesso de poderes deve ter gerado, direta ou indiretamente, benefícios para a sociedade empresária.

Em suma, a regra geral é que a sociedade responde pelos atos de seus administradores, ainda que estes tenham extrapolado seus poderes e atribuições. Apenas em casos excepcionais, não responderá pelos atos excessivos de seus administradores, desde que constatadas alguma das hipóteses taxativas previstas no art. 1015, p.ú, do CC/02.

___________________________

¹COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. Volume II.

 

Melhor resposta - Anna Normanton

 

A teoria ultra vires societatis tem origem anglo-saxônica e seu significado quer dizer “além do conteúdo da sociedade”. Seu intuito é proteger a pessoa jurídica e está consagrada no parágrafo único do artigo 1.015 do Código Civil. Ela dispõe que se o administrador, ao praticar atos de gestão, violar o objeto social delimitado no ato constitutivo, tal ato não pode ser imputado à sociedade. Assim, a sociedade se isenta de responsabilidade em decorrência do referido ato perante terceiros, exceto se for beneficiada por ele quando responderá na proporção do benefício.

Há um flagrante conflito entre o interesse da sociedade e o interesse de terceiros em razão de ato do administrador que extrapola o objeto social da sociedade. Assim, em contraposição à teoria ultra vires, surge a teoria da aparência, de cunho mais moderno, que busca, além da proteção da sociedade, também a proteção ao terceiro de boa-fé que contrata com a sociedade. Para ela, o terceiro de boa-fé que justificadamente desconhecia as limitações do objeto da sociedade tem o direito de exigir o cumprimento do negócio, ensejando à sociedade ação regressiva contra o mal gestor.

Entre elas há sensíveis diferenças, tais como que para a teoria ultra vires, o ato praticado fora dos poderes delimitados é nulo. Já para a teoria da aparência, o ato é válido e obriga a pessoa jurídica. Além disso, a teoria da aparência pondera de forma mais equilibrada o interesse e a proteção não só da sociedade, como também dos terceiros de boa-fé que com ela contratam.

Por isso, de acordo com o STJ, apesar de consagrada pelo Código Civil, a teoria ultra vires societatis não pode ser aplicada de forma absoluta. Nesse sentido também é o entendimento do CJF, a partir de seu Enunciado nº 219 que determina que apesar de positivada no direito brasileiro, deve ser considerada com as seguintes ressalvas: 1. o ato ultra vires não produz efeitos apenas em relação à sociedade; 2. A sociedade pode, por meio de seu órgão deliberativo, ratificá-lo; 3. Código Civil amenizou o rigor da Teoria Ultra Vires ao admitir os poderes implícitos dos administradores para realizar negócios acessórios ou conexos ao objeto social, os quais não constituem operações evidentemente estranhas aos negócios da sociedade.

Observa-se, portanto, que tal entendimento busca o equilíbrio entre a teoria ultra vires e a teoria da aparência, levando em conta a dinâmica das relações, a segurança dos atos jurídicos e a proteção ao terceiro de boa-fé.


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Sobre o Autor

Ana Cléia Clímaco Rodrigues da Silva

Procuradora do Estado do Maranhão (1º lugar). Ex-Procuradora do Estado do Mato Grosso (11º lugar). Aprovada na PGM/São Luís (15º lugar) e na PGM/Salvador. Coautora do livro "Curso de Peças e Pareceres - Advocacia Pública - Teoria e Prática" pela Editora JusPodivm.