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Quiz 10

João das Heranças é proprietário da Fazenda “Pais e Filhos”, situada na zona rural do Município de Campinas, cuja dimensão, que soma aproximadamente 100 (cem) hectares, abrange Áreas de Preservação Permanente – manguezais e matas ciliares do rio Piracicaba.  

Exatamente por se localizar à margem do rio Piracicaba, a Fazenda “Pais Filhos” despertou o interesse da prefeitura municipal, que pretende desapropriá-la por utilidade pública, a fim de realizar obras que melhorem a navegabilidade do rio mencionado.

Considerando o contexto narrado, responda aos seguintes questionamentos:

a) João das Heranças tem direito à indenização pelo fato de existir em sua propriedade Áreas de Preservação Permanente?

b) Caso o Município de Campinas proceda à desapropriação da Fazenda “Pais e Filhos”, as áreas ambientalmente protegidas devem entrar no computo final do valor indenizatório da desapropriação?

c) Deve o Município de Campinas pagar juros compensatórios pela desapropriação das Áreas de Preservação Permanente?

 

Comentários:

A questão envolve o interessante tema da intervenção do Estado na propriedade, que deve ser dominado pelos candidatos à Advocacia Pública.

 

I – Ausência de direito à indenização pela existência de APP em propriedade privada:

No caso narrado, a simples existência de APP na propriedade de João das Heranças NÃO lhe confere pretensão indenizatória. Isso porque essas áreas ambientalmente protegidas possuem natureza de limitação administrativa ao direito de propriedade, pois decorrem de norma geral e abstrata dirigida a propriedades indeterminadas.

Com efeito, limitações administrativas, como dito, são restrições gerais e abstratas emanadas do poder de polícia do Estado, que atingem o caráter absoluto da propriedade, tolhendo o poder de uso, gozo e disposição de um número indeterminado de propriedades particulares.

As limitações administrativas encerram uma relação de direito pessoal, materializada em obrigações de conduta, sendo as obrigações negativas (ou de não fazer) mais comuns. Ex.: obrigação de não construir edifício até determinada altura.

Assim, por serem genéricas, as limitações administrativas, em regra, NÃO ensejam direito à indenização.

No entanto, excepcionalmente, a jurisprudência reconhece o direito à indenização quando a limitação administrativa reduzir o valor econômico do bem. Essa é a jurisprudência do STJ:

Sendo imposições de natureza genérica, as limitações administrativas não rendem ensejo a indenização, salvo comprovado prejuízo. (REsp 1233257/PR, rel. Min. Eliana Calmon, 2ª Turma, julgado em 16/10/2012, DJe 22/10/2012)

Segundo decidiu o STJ, os danos eventualmente causados pela limitação administrativa devem ser objeto de ação de direito pessoal, cujo prazo prescricional é de cinco anos, e não de direito real, que seria o caso da desapropriação indireta. Nesse sentido, dispõe o art. 10, parágrafo único, do Dec. 3.365/41:

Extingue-se em cinco anos o direito de propor ação que vise a indenização por restrições decorrentes de atos do Poder Público

Em resumo:

Em regra, o proprietário não tem direito à indenização por conta das limitações administrativas que incidam sobre sua propriedade (a limitação administrativa é gratuita). No entanto, excepcionalmente, a jurisprudência reconhece o direito à indenização quando a limitação administrativa reduzir o valor econômico do bem. O prazo prescricional para que o proprietário busque a indenização por conta das limitações administrativas é de 5 anos. STJ. 2ª Turma. AgRg no REsp 1.317.806-MG, rel. Min. Humberto Martins, julgado em 06/11/2012

 

Vale ressaltar, ainda, que o proprietário não terá direito à indenização se adquiriu o bem APÓS a limitação administrativa já ter sido imposta:

É indevido o direito à indenização se o imóvel for adquirido APÓS o implemento da limitação administrativa, porque se supõe que as restrições de uso e gozo da propriedade já foram consideradas na fixação do preço. (REsp 920.170/PR, Min. Mauro Campbell Marques, 2ª Turma, julgado em 09/08/2011)

 

II – Dever de indenizar as áreas ambientalmente protegidas em caso de desapropriação:

Como dito no tópico anterior, as APPs ostentam cariz de limitações restritivas à propriedade. Porém, exatamente por serem restritivas – e não supressivas –, o domínio do proprietário NÃO é excluído. Assim, em caso de desapropriação, que possui, esta sim, caráter supressivo, deve o valor da indenização, como regra, abarcar toda a extensão da propriedade, inclusive as APPs, pois, em última análise, o particular estará sendo desprovido de uma propriedade que lhe pertence.

Todavia, uma ressalva se impõe: nos casos das matas ciliares (APPs) de rios navegáveis a situação é outra. Segundo o entendimento do STJ, esposado no REsp n.º 679.076:

“os terrenos reservados nas margens das correntes públicas, como o caso dos rios navegáveis, são, na forma do art. 11 do Código de Águas, bens públicos dominiais, salvo se por algum título legítimo não pertencerem ao domínio particular”.

Na esteira de Romeu Thomé, isso significa que os terrenos marginais se presumem de domínio público, o que afeta diretamente o cálculo do valor indenizatório em casos de desapropriação. Segundo o autor, “tratando-se de terreno de domínio público, os terrenos marginais (e consequentemente as APPs ali existentes) já pertencem ao Poder Público, podendo, portanto, ser abatidos do valor total do imóvel indenizável”.

Extirpando qualquer dúvida remanescente, dispõe a jurisprudência sumulada do STF:

 

Súmula 479 do STF: as margens dos rios navegáveis são de domínio público, insuscetíveis de expropriação e, por isso mesmo, excluídas de indenização”.

 

Assim, respondendo ao item “b”, deve o candidato diferenciar as duas espécies de APPs presentes na Fazenda “Pais e Filhos”, para concluir que apenas as concernentes aos manguezais devem ser indenizadas, sendo excluídas do cálculo indenizatório as matas ciliares, na forma da fundamentação acima.

 

III. Juros compensatórios em desapropriação de APPs:

Restou assentado em linhas atrás que as APPs possuem natureza de limitação administrativa, não infirmando, por completo, o domínio do proprietário, que deve ser indenizado pela desapropriação da área ambientalmente protegida, ressalvado o caso das matas ciliares.

Entretanto, conquanto seja devida a indenização, NÃO deve incidir sobre ela juros compensatórios. É que, sendo o imóvel objeto de limitação administrativa que impede sua exploração econômica, não há que se falar em compensação do proprietário do imóvel desapropriado. A aplicação de juros compensatórios, nesses casos, importaria enriquecimento ilícito para o proprietário.

Nesse sentido, é assente a jurisprudência do STJ:

EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA. JUROS COMPENSATÓRIOS. PARCELA DO IMÓVEL SITUADA EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. NÃO INCIDÊNCIA.

EXPLORAÇÃO. LIMITAÇÕES LEGAIS. LOCUPLETAMENTO ILÍCITO DO DESAPROPRIADO. DESAPROPRIAÇÃO LEVADA A EFEITO POR CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO. JUROS DE MORA. ALÍQUOTA. 6% (SEIS POR CENTO). APLICAÇÃO PARCIAL DO ART. 15-B DO DECRETO-LEI N. 3.365/41. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA PARCIALMENTE PROVIDOS.

1. Incidência de juros compensatórios sobre parcela do imóvel situada em área de preservação. São indevidos juros compensatórios quando a propriedade se mostrar impassível de qualquer espécie de exploração econômica, seja atual ou futura, em decorrência de limitações legais ou da situação geográfica ou topográfica do local onde se situa, nos termos do entendimento sedimentado na Primeira Seção desta Corte, nos autos dos EREsp 519.365/SP, de relatoria do Exmo. Senhor Ministro Teori Albino Zavascki.

2. Tratando-se de Área de Preservação Permanente, as restrições legais e administrativas impostas impedem o exercício de atividade produtiva. Inserir, no cálculo da indenização, os referidos juros seria atentar contra o art. 5º, XXIV, da CF/88, que prescreve a justa indenização.

3. Justa, como se sabe, é a indenização que, no dizer de Celso Antônio Bandeira de Mello, "corresponde real e efetivamente ao valor do bem expropriado, ou seja, aquela cuja importância deixe o expropriado absolutamente indene, sem prejuízo algum em seu patrimônio" (MELLO, C. A. B. de. apud CARVALHO FILHO, J. dos S. Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 15ª Ed. 2006 - P. 697). Nem menos, mas também não mais, sob pena de locupletamento ilícito do desapropriado.

(...) (STJ, 1ª Seção, EREsp 1350914/MS, Julgado em 11/11/2015, Publicado em 15/02/2016)

 

Melhor resposta - Taize Albuquerque:

A) Segundo o atual Código Florestal, Lei nº 12.651-12, as Áreas de Preservação Permanente são áreas protegidas, coberta ou não por vegetação nativa, com função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas. Tais áreas visam atender ao direito fundamental do meio ambiente ecologicamente equilibrado, se destinando à proteção de suas funções ecológicas caracterizada, como regra geral, pela intocabilidade e vedação de uso econômico direto. O Código Florestal prevê o que se enquadra como APPs, dentre as quais se insere os manguezais e as matas ciliares. Estas estão localizadas nas faixas marginais de qualquer curso d’água natural e vai variar de acordo com sua largura. Da narração fática da questão, entende-se que João das heranças não tem direito à indenização pelo simples fato de existir em sua propriedade aéreas de preservação permanente. Isso porque, tais áreas tem natureza de limitação administrativa ao direito de propriedade, já que decorrem de norma geral e abstrata e é dirigida a propriedades indeterminadas, estando calcada no princípio da função socioambiental da propriedade. Conforme a doutrina, as limitações administrativas decorrem do poder de polícia do Estado que atingem o caráter absoluto da propriedade, restringindo o direito de uso, gozo e disposição, encerrando uma relação de direito pessoal e geralmente se manifestam em obrigações de não fazer. Desta forma, por serem restrições genéricas, as limitações administrativas não ensejam indenização, já que não retira o domínio do proprietário, tendo natureza restritiva e não supressiva. No entanto, o Superior Tribunal de Justiça, de forma excepcional, admite o direito à indenização quando a limitação administrativa reduzir o valor econômico do bem. Neste caso, o proprietário tem prazo prescricional de 5 anos para buscar referida pretensão, conforme preconiza o art. 10, parágrafo único, do Dec. 3.365∕ 41, sendo ação de direito pessoal. Ressalte-se que tal direito não subsiste se o proprietário adquiriu a propriedade após a limitação administrativa ter sido imposta.

B) Diferente das limitações, a desapropriação tem caráter supressivo, devendo o valor da indenização, como regra, abarcar toda a extensão da propriedade, inclusive áreas de preservação permanente, diante da supressão do domínio do proprietário. No entanto, no que se refere às matas ciliares, tais áreas não devem entrar no cômputo do valor final da indenização, já que as margens dos rios navegáveis são, em regra, de domínio publico, pertencendo ao Poder Público e sendo por isso insuscetível de expropriação, conforme súmula 749 do Supremo Tribunal Federal. Dessa forma, como os terrenos marginais de rios navegáveis são excluídos do valor da indenização, as APP ali existentes também não entram no cálculo, como no caso das matas ciliares. Doutro modo, as áreas abrangidas pelos manguezais devem entrar no cômputo final do valor indenizatório da desapropriação.

C) Em que pese ser devida indenização pela desapropriação realizada pelo Município de Campinas, salvo em relação as matas ciliares, que por serem bens públicos dominicais são insuscetíveis de desapropriação; o Município não deve ser compelido a pagar juros compensatórios pela desapropriação das áreas de preservação permanente, já que o imóvel é objeto de limitação administrativa o que impede a exploração econômica do referido bem, não havendo que se falar em compensação do proprietário do imóvel desapropriado pelo que deixou de usufruir economicamente, já que não poderia fazê-lo, de forma que, caso incidisse tais juros ocorreria enriquecimento ilícito do proprietário, não refletindo a justa indenização, conforme entendimento do STJ.

 

 

 


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Sobre o Autor

Caio Vinícius Sousa e Souza

Procurador do Estado do Piauí (8º lugar), aprovado na PGE/BA. Mestre em Direito Constitucional (UFPI). Coordenador e coautor do livro "Curso de Peças e Pareceres - Advocacia Pública - Teoria e Prática" pela Editora JusPodivm. Coordenador e coautor da Coleção Doutrinas Essenciais - Procuradorias. Coautor de várias obras jurídicas especializadas.